... esperávamos pela chegada de Papai Noel... |
Lembro-me com clareza da véspera dos Natais quando, ansiosos, esperávamos pela chegada de Papai Noel: sapatos e chinelos velhos – alguns sujos, por falta de tempo para limpá-los – eram colocados atrás das portas ou nas janelas na expectativa de que no dia seguinte – cuja chegada demorava uma eternidade – encontrássemos lá uma bola, uma boneca, um chinelo, um carrinho de madeira, um short...
Quem não se recorda das vésperas dos aniversários, das viagens de férias, dos passeios com os amigos, só com eles? Da proximidade do dia da formatura, do nascimento do primeiro, do terceiro, do quinto filho? Do primeiro afilhado? Quem não se recorda do primeiro beijo, da primeira namorada – não necessariamente inesquecíveis! – e do primeiro e único amor? Das Copas do Mundo, das festas de confraternização? Quem não se lembra do dia em que dirigimos sozinhos o primeiro carro e da primeira (e única) bicicleta? Do receio de ser apresentado ao primeiro chefe, da ansiedade ante a promessa da primeira promoção?
Quem não se lembra da alegria de receber uma carta do amigo distante, do telefonema de alguém especial que nos pegaram de surpresa e nos tiraram do sério – positivamente falando – quando estávamos, por qualquer razão, tristes, chateados? Quem não se recorda daquela música que marcou um encontro ou um desencontro e se tornou inesquecível? Quem não se lembra do primeiro livro? Quem não se lembra daquele carnaval em que demos gargalhadas de piadas sem graça, brigamos porque estávamos sendo roubados no jogo e ninguém nos deixou dormir – e que tudo tenha se transformado no centro das nossas conversas e nas razões para nos reencontrarmos e simplesmente estarmos juntos de novo? Quem não se lembra daquela viagem em que o carro quebrou, o dinheiro acabou, o frio era cortante, a distância era grande e que tivemos que andar a pé, em que amaldiçoamos o autor da ideia e que, depois, prometemos fazer tudo de novo?
Quem não se lembra daquela festa para a qual não possuíamos roupa e os amigos, sempre voluntários, conseguiram juntar peças de um e do outro e, num passe de mágica, transformaram-nos num príncipe simplesmente porque nos queriam por perto?
Quem não se lembra do primeiro porre – aquele mesmo, de vinho de
garrafão? Quem não se lembra da primeira palavra do filho, ou do sobrinho, ou
do irmãozinho? Quem não se lembra daquele amigo especial que um dia, meio
assim, meio assado, disse-nos com sinceridade que éramos o seu melhor amigo? E
quem não se lembra de ter ouvido um dia, ainda que baixinho e na distância do
tempo, eu te amo...
Quem não se lembra de ter sido elogiado por um trabalho bem feito?
Quem não se recorda de ter perdido a hora e acordado cedo demais para trabalhar
ou ir para a escola e se dar conta – em meio às gozações dos entes queridos –
que era domingo? Quem não se lembra de ter encontrado cinco reais dentro de um
livro velho quando só precisávamos de dois? Quem não se lembra de se ter esquecido
do aniversário da esposa, do esposo, do amigo e, no dia seguinte receber uma
bronca daquelas? E de ter ficado chateado, puto da vida, mas compreender que
tudo já tinha passado e que, no fundo, queriam apenas estar perto de nós e nos
dizer que éramos importantes?Quem não se lembra de um apelido horrível que os amigos insistiam em nos chamar, e bem alto, no meio da rua, só para nos aporrinhar? E quem não se lembra, também, de ter apelidado um menino orelhudo, ou barrigudo, ou baixinho, ou gordinho, só para encher o saco dele? Quem não se lembra das promessas dos finais de ano de que deixáramos de fumar, de beber, de comer demais, que estudaríamos mais, que, enfim, começaríamos a caminhar como o médico recomendara a e a esposa fazia questão de lembrar a todo o instante? Quem não se lembra daquele presente barato que ainda o guardamos na cabeceira como o mais precioso do mundo? Quem não se lembra de um “muito obrigado”, de um “tenha um bom dia”, de um “feliz aniversário!”, de um “não tenha medo!”? Quem não se lembra?...
Quando tento compreender o porquê de as pessoas não se sentirem motivadas para a vida – trabalho, família, escola –, fico pensando nessas coisas. A motivação está em nós, em cada gesto, em cada atitude, em cada degrau que ascendemos na escala de valores da vida. Temos motivos suficientes para seguir em frente, entusiasmados, vibrantes, fervorosos, convictos de que podemos superar os desafios e transformá-los, daqui a pouco, em doces lembranças e afáveis companhias na véspera de cada dia em que decidirmos nos transformar, um pouquinho de cada vez – que seja! – na pessoa mais feliz do mundo.
Quem não se lembra de encontros, de reencontros, de desencontros?
Quem não se lembra da alegria íntima de um dia ter voltado atrás e, sem vergonha de fazê-lo, ter pedido perdão à pessoa amada, ao amigo querido? Quem não se lembra de, também, ter pensado em voltar atrás e de não tê-lo feito e, depois, não mais reencontrar a oportunidade de reescrever parte da sua própria história? Quem não se lembra de ter-se esquecido de colocar os sapatos atrás da porta e, ainda assim, encontrar no dia seguinte o brinquedo desejado? Quem não se lembra de também tê-lo feito e, depois, descobrir que não fora ainda daquela vez, mas, não desistimos e voltamos a ter esperanças...
A decisão de buscar motivos para seguir em frente é pessoal e intransferível. As boas lembranças decorrem de como moldamos cada instante, da forma como os construímos, da solidez dos degraus que nos conduzem para cima, da capacidade de compreender gestos e olhares imperceptíveis, da simplicidade de reescrever a própria história...
___________
Nenhum comentário:
Postar um comentário